quinta-feira, 30 de maio de 2013

A frente fria do outono

Ela já não sabia se aquele frio vinha do norte ou do sul. Fazia tanto tempo que ele não aparecia. Mas quando começou a soprar, logo reconheceu. Era tão particular, tão dela. Tão frio e tão quente. Intenso. Resolveu fechar a boca para ver se as borboletas não escapam do estômago. Só podiam ser elas. Asas histéricas que voavam e faziam voar. Passou a cultivar aquela sensação como se o ano todo fosse inverno dentro dela. Justo ela que não gostava do frio. E quanto mais ventava lá dentro, mais brilhava aqui fora. Uma inversão térmica sem nenhuma explicação física. O corpo tem dessas. Mas do mesmo jeito que veio, o frio foi indo embora. Lentamente. E o pôr-do-sol aconteceu, como uma despedida. No horizonte, borboletas voavam. Dessa vez, ela se lembrou de guardar um pouco do vento, um pouco das asas, um pouco do colorido. Não sabia se aquele vento iria soprar novamente.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Crescer é se acostumar a perder?

Tio Décio tinha 58 anos e esqueceu de crescer. E não era sua baixa estatura que o denunciava. Eram as tardes grávidas de risadas ao seu lado. Seu sotaque carioca, seu jeito de criança, seu humor inocente vão deixar saudades. Era o irmão mais novo que todo mundo queria um dia ter. Era o tio amigo que alegrava qualquer fim-de-semana. Tinha a idade da minha mãe. Era irmão da minha avó. Sim, minha família tem dessas. Sem uma ordem cronológica definida, agora com mais uma desordem emocional. Ele tinha o coração maior do mundo. Tão acostumado a sofrer, mas tão sensível... Ontem ele se foi. E a vida ficou assim, desacelerada. Descompassada. Por que é que a gente cresce e vai perdendo tanto? Justo quando podia dividir tanta coisa. Quando podia entender tanto. Você foi tão cedo, tio. Tão criança pra morrer. Promete que quando chegar ai vai dar um beijo na vovó Kika? Crescer dói. Eu te entendo. um beijo.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Vai que dá?

O costume chega devagar e vai se acostumando. E sabe o que? A gente nem percebe. Vira costume tomar o café da manhã antes do banho. Passar o desodorante antes e o creme depois. Chamar o elevador e, enquanto ele não vem, lembrar do casaco. Vira costume se maquiar no trânsito. Chegar no trabalho, ligar o computador e, enquanto a tela não aparece, buscar o café. Resolver pendências na hora do almoço. Deixar a academia só para quando o botão da calça não fechar. Tem costume que é bom e eu gosto. Um café quentinho de tarde com um bolo de fubá. Um “trem” no meio da frase só para situar. O “eu te amo” quase antes de desligar. Mas alguns outros nem é bom lembrar. Quando o costume vira costume e se esquece de variar. De elogiar. De mudar. Só de costume, é bom reparar. Vai que dá pra desacostumar.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Clarice e eu

A gente se encontrou ali no que parecia ser uma entrada, mas também a saída. Era janeiro de 78. Eu chegando, ela indo embora. Seu nome era Clarice. Me lembro de ter pedido um sinal. Ela me disse: vai e leve esta pinta para ser feliz com você. Coloquei-a no pescoço. Era o lugar onde ela já tinha se acostumado a viver até ali.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Tirando o pó da memória

Ontem eu tinha 17 anos e morava no 5º andar do 960. Eu tinha amigos que nunca tinham ido em Goiânia e preocupações que se encerravam as 17h do dia. Eu tinha um primo ainda vivo que me fazia rir sempre que o encontrava. Eu tinha a tia Elza que era minha referência de alta sociedade. Eu tinha meus avós morando comigo, quer riqueza maior? Ontem, o futuro ainda nem tinha se tornado presente. Eu não tinha marido, eu não tinha os meus dois filhos. Eu tinha aula de manhã, de tarde e trabalhava à noite. E tinha minha avó me esperando no portão às 6 em ponto para me entregar o sanduíche. Tudo isso alimentava a alma, é verdade. Com 17 anos eu já tinha tanta coisa. A casa com carpete vinho e móveis com ricas histórias. Os amigos iam e vinham. Os parentes vinham mais que iam. 8 cirurgias a menos. 7 empregos embrionários. Mais perto de Goiânia que São Paulo. Ontem eu tinha 17 anos, muito medo e curiosidade. E 17 anos depois, olhando ali de frente para o 5º andar do 960, me apresentei de novo para aquela menina de cabelo comprido, morena, que ainda usava miniblusa. A gente se reconheceu e se cumprimentou. Com muito respeito, histórias e saudades. Ela atravessou a rua devagar, mas eu ainda tinha pressa. E curiosidade. O medo ficou encoberto pela poeira do tempo.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Pensando em uma Pós-Graduação?

Há quase 5 anos entrei em uma pós-graduação intensa e, se Deus quiser, sem prazo para acabar. Tenho provas diárias, tenho que defender teses absurdas e usar da criatividade para dar conta de todo conteúdo. As aulas são diárias, 7 dias por semana, com pequenas pausas para um sono leve e entrecortado. As matérias são bem variadas, com ênfases em negociação, aulas de paciência e doação. O diploma não te garante ser expert no assunto e as aulas teóricas quase sempre ficam tímidas perto das práticas. As provas são surpresa e acontecem geralmente quando você menos espera: na fila do supermercado ou no estacionamento do shopping. A pós se intensifica aos finais de semana e feriados e também nos meses de janeiro e julho. Por várias vezes fico na dúvida sobre quem é o professor e quem é o aluno. Ter filhos, para mim, é uma pós-graduação em comunicação sem fim. É, sem dúvida, o curso mais rico e gratificante que eu já fiz na vida. Cansa, dá trabalho, as vezes te tira do eixo. Mas também te mostra caminhos. O mais importante deles pra mim foi ter redescoberto o caminho da minha infância.