quinta-feira, 27 de junho de 2013

Fragmentos

Aquele dia em que você anda de um lado para o outro. Espera o farol abrir, atravessa a rua e deixa os problemas caírem de propósito. Mas eles são mais rápidos e te esperam na outra esquina. Daí você resolve olhar vitrines pra ver se a vida muda de figura mas o que vê é você, se olhando e se encarando. Percebe que os problemas nem são tão grandes assim. Que você nem é tão grande assim, mas que o seu quadril deve ter crescido uns 2 cm na última semana. O pão, deve ter sido ele. Tenta mudar de pauta, encontrar outro rumo pro dia. Deixa de escutar o seu silêncio para ouvir o do outro. “Mas eu te falei isso mesmo, como você ouviu outra coisa?" “ Ele acha que é o que pra falar comigo desse jeito?” “Já disse pra ela que não quero mais e pronto.” Fragmentos de conversas na rua, problemas espelhados. Passou a colecionar a fala do outro pra ver se colava na sua. Conversas emendadas formando novos personagens. E se viu imaginando como era a vida por trás daquelas vozes. Quem nunca se pegou fazendo isso com a mesa ao lado no restaurante? Eles são casados? Namoram ha quanto tempo? Ela é feliz com ele? Se conhecem ha quantos minutos? Tem mãe? É mãe? Voltou para a casa com a cabeça cheia de frases, mas livre. Resolveu fazer disso um hobby. E suas caminhadas ganharam um novo sentido.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

E quem é que não sente?

Ela chegou. De vestido cinza e o seu bom e velho crucifixo pendurado no pescoço. Apontou meus erros, colou nas minhas inseguranças. E me fechou outros possíveis caminhos. Sempre ela. Com essa mania de chegar atrasada, mas participar de tudo. Como um pensamento que acontece fora do corpo martelando os sentidos. Desta vez eu fechei as portas, mas ela ficou espiando pela janela. Coisa feia, menina. Já não falei que não te quero mais? Mas você não escuta e me faz ficar cega. De você. De atitudes impensadas. Tem horas que de tão grande assume o meu lugar. Fala alto. E o som fica ecoando, ecoando. Culpa é o seu nome. Que de tão presente quase virou meu sobrenome. Uma desculpa para não seguir em frente? Uma culpa colada na gente. Católica, certeira, zombeira. Ah, sua culpa. Recolha suas exclamações. Encolha este dedo mandão. E vá ser sombra em outro lugar.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Ser mãe de 2 é:

Duplicar o amor e não dividir. Viver num eterno triângulo amoroso, sem ter que escolher com qual ficar. Ter um lado que cuida enquanto o outro vai numa festa infantil. Um lado que acorda mais cedo que o outro. Que dança sem saber o ritmo. Ser mãe de dois é fechar a roda. E girar cantando músicas da nossa infância. É ter 3 infâncias. Fazer inalação enquanto joga bola. Dormir com um olho só. Falar línguas diferentes. Decifrar formas diferentes de amar. É ter sempre uma terceira opinião. O que é bom ou o que pode ser demais. Ser mãe de 2 é plural. Theo e Arthur. É nunca estar sozinha.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Terapia de um não casal

Ela, 25 anos. Ele, 38. Noiva, na flor da idade. Casado, já dando frutos. Se conheceram em um café enquanto ela esperava por um skype e ele, o 2º filho. Tiveram uma paixão cup noodles. Combinaram de se encontrar ali, no mesmo horário, no dia seguinte. Encontros regados à culpa. Que demoravam o tempo do perfume que ficava na memória. O noivo voltou do mestrado. A esposa, da licença maternidade. E eles não saíam do lugar. Ela fazia terapia. Ele achava que só viver bastava. As semanas foram alimentando os anos. Passeavam por uma segunda-feira recheadas de dúvidas e ancoravam numa sexta, cheia de certezas com vista para a liberdade. E assim foi até que a vida deu um basta. E juntos, decidiram. A única decisão possível, àquela altura. Foram juntos na sessão de terapia dela.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

u,d,aj,s!,asjn,mdojna,z.ns?ijc,zaoj.o ifdv.vo,u...b

Tantas palavras esperando formação. Tantas perguntas esperando a exclamação. Versos sem rima. Rima sem sorriso algum. Uma fila de frases esperando voz. Vírgulas aceleradas, sufocadas por reticências sem fim. Um ponto virando interrogação bem no meio de mim.