segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Meia noite em São Paulo

Você costuma aparecer do nada no meio da noite e pular na nossa cama.
Assim, sem nem avisar. A gente acorda no susto e a reação nem sempre é boa, meu filho. Porque não é porque somos pai e mãe que temos que engolir nossa raiva e estarmos sempre prontos pra te atender.
As vezes a reação vai no ímpeto mesmo e, ao invés do acolhimento que você busca, encontra uma palavra vestida de grito.
Também já aconteceu de você passar com a roda da sua bicicleta em cima do meu pé e eu ter que segurar a minha mão pra não revidar a dor. É ação e reação, filho. Você ainda vai aprender um dia em suas aulas de física.
E eu juro que me seguro bastante para não ser eu a te ensinar na prática.
Ontem, depois do susto, tentei conversar direito com você, mas você ficou chateado e não quis muito papo. Então, o que não ficou dito virou diálogo dentro da minha cabeça e não me deixou dormir por algumas boas horas. Sempre acontece assim.
São nessas horas que fico tentando entender como é essa coisa toda de educar alguém. Não é muito fácil preencher nossas folhas em branco, sabe?
Ainda mais no escuro da noite.
Eu não sei se você reparou (mas eu tenho quase certeza que sim) que a mamãe tem um sério problema com sono. E se durante o dia já é difícil pra mim segurar o instinto, de noite é quase impossível, filho. Me desculpe.
Sei que você é só uma criança de 6 anos tentando fugir dos seus medos. Mas eu sou só uma mãe de 37 tentando fugir deles também.
Que tal se a gente se chegar de mansinho pra não acordá-los?
Não sou muito boa nos sobressaltos, sabe? Nesses momentos, a mamãe costuma reagir sem pensar e vira o próprio monstro que ora habita seus sonhos.
Fico pensando se seria melhor eu não te contar essas coisas e não dividir as minhas dificuldades com você. Mas a mamãe não costuma fingir nas relações. Com você não poderia ser diferente, não é?
É bom que você saiba que sempre que se sentem ameaçadas, as pessoas reagem, filho. E que a mamãe se sente muito mal de, muitas vezes, não conseguir se controlar.
O que acha da gente se chegar devagarinho para não acordar nossos monstros?
Prometo seguir dividindo minhas dificuldades com você e te ajudar nas suas?
O que acha de me ajudar com as minhas também?


Um beijo cheio de sono.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Arritmia

É falsa a ideia de que o coração pode bater mais forte.
De que o corpo pode tremer e o ar faltar.
De que no encontro do nosso rio com o mar nada mude ou nenhum Ph se altere.
É falsa a ideia de que borboletas podem voar sem que terremotos aconteçam dentro da gente.
Pequenos tsunamis que passam levando tudo, deixando mole só a perna.
De que pode se sentir frio com o verão que faz lá fora e se aquecer só com um “não demora?”
É falsa a ideia de que consegue-se falar tudo com o coração na boca. Quando o coração bate, nem sempre o papo revida. É preciso saber apanhar.
De que no encontro de peles é o arrepio quem manda.
De que tudo pode ser dito no silêncio. Pode mesmo?
Daí vem você com essa arritmia toda revirando as verdades.

Vem você com essa bateria no peito para me lembrar que não importa se falta o ar, se sobra ritmo. É sempre carnaval dentro de mim.