segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Dos textos que ainda me contam


Quando eu tinha 6 anos, quebrei o fêmur num balanço e fiquei 45 dias sem sair da cama. Foi aí que eu aprendi que a vida tem seus altos e baixos.
1 ano depois, comecei a fazer Ballet pra ajudar na minha recuperação. E aprendi que os altos e baixos podem ser vividos com leveza.
Quando eu tinha 15 anos fui pra Disney. E aprendi que não tem idade certa pra se divertir, que princesas não existem e que os 15 anos nunca mais voltam.
Aos 17, fui morar em São Paulo. E aprendi que não importa quantos anos você esteja longe de casa, sempre dá pra voltar.
Aos 21, aprendi que paixão não mata, bolo todo dia engorda e que não adianta tomar um engov antes se não tiver o depois.
Isso também vale para relacionamentos.
Com 25, aprendi que existe vida após a demissão. E que quando você leva um tombo também pode cair pra cima.
Aos 28, aprendi que se ganha mais quando se divide. Ainda mais se for uma vida em comum.
Com 30, aprendi a viver com o coração fora do corpo. E aos 33, vi que amor é coisa elástica e só pode fazer bem.
Aos 32, vi que não sabia muito bem o que fazer com essa tal liberdade e aprendi que ter pra onde ir e pra onde voltar me deixava livre pra voar.
Com 36, aprendi que correr ajuda a pensar devagar, que auto estima elevada e baixa auto estima são os maiores (senão os únicos) problemas do mundo e que olhar sempre pra um só lado pode acabar em torcicolo.

Regime

Segunda feira é dia de começar o meu regime emocional.
Cortar os excessos para seguir mais leve.
Dia de tirar o glúten que incha o ego. 
A preocupação que pede botox.
A ansiedade que depena as asas das borboletas que vivem no estômago.
Segunda é dia de tirar o disco da hérnia e colocar na vitrola da vida.
E dançar sem nem pensar no que os olhos comentam.
Consumir menos opiniões e mais pensamentos livres.
Diminuir a convivência com gente enlatada.
Segunda é dia de tirar o peso das regras e perder os quilos da mochila imaginária que carrego nas costas.
De fazer um detox de não, de obrigação.
Uma reeducação do que me alimenta.
Não de 3 em 3 horas. Mas o tempo todo.
Pensando bem, começar na segunda é mais uma das regras que me engordam a azia.
Melhor a poesia do agora.

Em constante reforma

A parede de tijolinho deixou aparente as nossas vontades.
Já a de concreto abriu espaço para as nossas delicadezas.
Amo quando nossas contradições se complementam.
Fazendo brotar nossas cores e história.
A porta de correr derrubou paredes e reapresentou nossos olhares.
Nossos pés agora caminham por um chão bonito, cor sim, cor não.
E a gente flutua pelos nossos sonhos.
Berinjela com amarelo com vermelho e azul.
E crianças correndo pela sala misturando tudo, bagunçando tudo, criando nossa própria paleta.
Madeira de demolição para lembrar que o perfeito não existe.
Papel de parede para nos cobrir de aconchego.
E uma banheira para nos deixar de molho, enrugando nossas ansiedades.
5 meses depois, a casa tá linda.
E a gente continua em construção.

De cabeça para baixo

Amanhecia noite lá enquanto aqui anoitecia dia.
Muitos contrários para buscar o seu lado certo.
Quem sabe de cabeça para baixo a vida não entrava nos eixos?
Era canhota, a menina. Acostumada com os contrários da vida imaginou logo se encontrar.
Se apresentou ao futuro para, então, se acomodar no passado.
E sentiu-se em casa em seu avesso.
Comida fria, bebida quente.
Guardanapo molhado.
Volante do lado direito.
Noite dia.
De cabeça para baixo, pôde tirar todos os pesos dos bolsos.
E formar novas palavras com as letras que caíram.
Foi então que ela apareceu.
Anna.
Igual, mas diferente.
Renovada.
E a menina percebeu que, mesmo ao contrário, continuava a mesma.
Era seu próprio palíndromo.

O ontem e o hoje

Cheguei em São Paulo há 19 anos.
Carregava algumas malas, meus 18 anos, um namorado de 4 e amigos de infância que ficaram 1200 km pra trás.
Não tinha celular, não tinha computador.
Tinha um telefone de gancho, mas os minutos eram caros. Bem caros.
Então a gente se correspondia por cartas. Muitas.
Contava os dias, os acontecimentos, as descobertas e falava sobre os medos. Tantos...
Eu era um diário aberto, sem nenhuma fechadura para o meu mundo particular.
Chegar em casa e abrir a caixinha do correio era um evento pra mim.
Um quentinho no coração que fazia a distância ficar menor e menor.
Os dedos ainda não doíam pela falta de habilidade na escrita de hoje.
Os diálogos saíam sem pausa porque tudo aqui acontecia muito rápido.
E eu não me economizava nos detalhes.
Retomei a minha coleção de papel de carta só para as notícias se aquecerem ainda mais.
Recheava as minhas cartas com referências que contavam mais do meu mundo novo.
A gente se trocava em letras. E segurava a ansiedade da próxima carta que demorava o tempo de um bate volta. É, o tempo era outro.
Foi então que as máquinas de escrever da faculdade deram lugar aos computadores.
Comprei o meu primeiro celular.
As redes viraram sociais.
A gente deixou de se escrever.
A gente passou a se falar bem menos.
A gente deixou os detalhes de lado e nos entregamos às urgências.
Foi então que hoje, ao abrir a caixinha do correio, encontrei um envelope escrito à mão, pra mim. ERA PRA MIM!
Ele estava lá. Com o coração acelerado, um sorriso largo e um vestido colorido de verão.
Ele estava lá, com os mesmos olhos atentos ao mundo e cheio de coisas pra contar.
Ao abrir aquela caixinha de correio, encontrei os meus 18 anos.
E ele dizia: sinto falta de você, das nossas conversas de todo dia, das nossas intensidades.
Obrigada Luciana Bracarense. Por me trazer de volta a mim.

Expectativa é caminho sem volta

O problema é que você fala e eu acredito.
Anoto na minha agenda emocional e o dia já me pertence.
Mas o seu tem sempre horas a menos, compromissos demais e uma certa vontade arrastada.
Acontece que eu não preciso marcar, assinar embaixo e carimbar para pertencer. É só encontrar um momento livre que eu já me aconchego preenchendo seus minutos.
Mas você não se compromete.
Solta possibilidades mas as recolhe, como pipa sem vento pra voar.
E eu chego cheia de linha, cheia de cor e acabo me ferindo no seu cerol.
Porque expectativa é caminho sem volta. Ou voa ou magoa.
Temos voado pouco.
Já o tempo...

A praticidade da dor

Você recebe uma notícia difícil de escutar.
Ela ecoa dentro de você causando um tsunami de dor.
Automaticamente toda a água do seu corpo se junta formando ondas de choro que sobem até desaguarem no globo ocular.
Os pensamentos se juntam todos num mesmo lugar, num vídeo-case da sua vida passado num telão que se abre bem na sua frente. Tudo isso em 2 segundos.
Daí você tenta segurar a pressão, equilibrar aquela gota concentrada de tristeza e ela vai recuando, queimando todo o caminho da volta.
Você precisa pensar no próximo passo.
Precisa marcar exames.
Precisa avisar a família.
Reativar contatos.
Cuidar dos trâmites.
Fazer escolhas.
O mundo pede praticidade enquanto você só queria sentar ali no cantinho e chorar.
Tomar um banho de sal grosso fabricado por você.
Relembrar os momentos.
Pensar no “onde foi que eu errei” mesmo não havendo erro algum.
Mas não há tempo.
O resultado tem pressa.
A realidade não espera.
Mas a dor é lenta.
É difícil ser prático quando a alma pede um pouco de burocracia.
Então você se anestesia e resolve, liga, escuta.
O sofrer fica para depois.
Ou não.
Ele vira saudade.

Sobre crescer

Criança enxerga tudo grande.
Sempre achei que meu avô era enorme. Hoje, ele bate no meu queixo. Vi que não era tão grande assim.
A minha casa tinha um salão de festas gigante, que cabiam todas as alegrias da minha festa de 10 anos.
Hoje, cabem algumas cadeiras encostadas, teias de aranha e muitas memórias.
O piano era grande demais para as minhas mãos de 6 anos. Hj, já o alcanço com apenas algumas escalas.
Tudo na vida é referência.
Ou olhar.
Quisera eu enxergar com os meus olhos de 32 anos atrás.
Quando foi que perdemos a fita métrica dos sonhos?
Quando foi que deixamos de olhar pra cima?
Procurei nas gavetas da infância.
Não foram eles que diminuíram.
Fui eu que cresci.