À esquerda eu vejo a porta. Por onde entro toda quinta-feira e por lá
fico durante 1 hora.
Assim que entro, antes de qualquer outra coisa, sinto um cheiro forte de
mofo. Sempre me pergunto por que a sala tem este cheiro. É fácil descobrir se
você parar pra pensar que, todo dia, pelo menos umas 4,5 pessoas estão lá
abrindo seus armários do passado, jogando fora o que guardou por tanto tempo.
Pensando assim, o cheiro de mofo tem lá seus motivos. E até o seu
charme.
À minha direita, uma estante cheia de livros. Em meus momentos de silêncio
olho um por um e fico imaginando o que eles contam além do que falamos ali. Os
problemas se repetem também neles? Freud, Lakan, Nietzsche. Sinto falta de uma
Clarice Lispector, de um Antônio Prata, de uma Martha Medeiros. Até de um Paulo
Coelho para quebrar a seriedade do conteúdo. “Vou dar um desses de presente pra
ela semana que vem”, penso. Mas sempre esqueço. Algum ato falho aqui?
À minha frente, uma persiana branca e sempre um vaso de delicadas orquídeas.
Enquanto falo, falo, falo sobre mim, mim, mim, vejo as sombras que vão de um
lado para o outro da vila. As minhas, as suas, a de você que foi embora mas que
continua guardado nas minhas gavetas. Pode se retirar para diminuir meu cheiro
de mofo, por favor?
Do meu lado esquerdo um relógio pequeno contando o tempo. Sempre que me
lembro dele, o meu já acabou.
Um pouco mais adiante, na mesma esquerda, uma poltrona marrom onde
coloco minha bolsa, não sem antes tirar o celular para deixar do meu lado
durante toda a sessão. É bom ter ele sempre à mão. Vai que eu preciso pedir
socorro?
Bem atrás de mim, a Vera. Aquela que sempre vê. Me perdoem o trocadilho,
mas terapia pra mim é como brainstorm em que pode tudo, até trocadilho. Então
vivo trocando, falando, mostrando fotos.
Sim, procuro ter sempre fotos de pessoas, lugares, acontecimentos para
ilustrar o que eu digo. Um espécie de respeito pela Vera. Fico imaginando o
quanto deve ser horrível ouvir anos e anos sobre alguém e não saber a cara que
essa pessoa tem. Por isso as fotos. A minha terapia ilustrativa.
Do meu lado direito, vejo uma câmera imaginária. Essa que me transporta
para fora do meu corpo e que me faz enxergar o tamanho real dos meus problemas.
Do meus inimigos, quase sempre imaginários.
Eu vejo você.
A minha infância em Goiânia passada em um retroprojetor bem na minha
frente.
Vejo ciclos se repetindo, outros indo embora.
Palavras que deixei de falar e outras que falei na medida.
Historias que não deixei de viver.
Silêncios forçados.
Vãos.
A minha reflexão.
O eu na minha multidão.
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