O assunto começou quando ela puxou a pelinha do
lado de dedo, aquelas que ficam levantadas avisando a gente que está passando
da hora de fazer as unhas.
É impressionante como está sempre na hora de
alguma coisa. De se cuidar, de encarar o regime, de dar um basta no emprego ou
naquele caso que se prorroga há anos e não marca um gol. A gente tem que ser
mulher, mãe, amiga, namorada, amante, esposa, dona de casa, estar com o cabelo
e a unha impecáveis a ponto de não ter nenhuma pelinha levantando e gritando com
a gente.
Então ela puxou com cuidado porque sabia que
aquilo doía e era uma operação de risco. Mas não adiantou. Logo veio o sangue
para lembrar que as mulheres sangram mesmo, muitas vezes bem mais do que uma
única vez por mês.
E a pelinha que levou ao sangue que a fez
lembrar do seu período fértil trouxe ele de volta. E ela estava ali dando uma
volta em si mesma quando soltou, do nada, no meio do almoço em um bar qualquer,
com o campeonato italiano correndo solto na tela: “ o segredo de tudo é a
pele.”
De repente todo mundo parou, o copo ficou entre
a boca e o susto, as meninas se olharam, os homens olharam pro lado e depois
pra tela e ela ficou com o dedo ainda na boca, tentando disfarçar o que a
memória já tinha causado nos pelos arrepiados do braço.
Eles voltaram para o jogo e ela não tinha como
fugir do que disse. As vezes é assim que acontece. No meio do nada, uma palavra
do nada, num lugar que nem serve de moldura pra cena. Mas você está ali por
inteiro em suas memórias e elas ganham vida e se transformam em prosa.
E foi ali mesmo, naquela mesa ao som do futebol,
que ela contou a sua história de pele. De como tinham se conhecido, de como
tinham se encontrado no meio da sala ao som de um forró. Ela que não gostava de
forró e ele que não sabia dançar.
Do toque imediato que resultou numa dança
ritmada e sensual.
De como os rostos se encontraram, os olhos
disseram sim e em menos de 5 minutos se agarravam na dispensa criando uma festa
única e particular.
De como amanheceu e eles nem perceberam. De como
passaram-se 3 meses e eles continuavam dançando.
De como viviam nú um para o outro, vestidos de
pele e sensações.
Ela cercada de olhos curiosos, revivendo cada
passo desde aquela noite.
Contando os detalhes porque eram neles que ela
morava.
De como a partir daquele dia passou a cuidar
melhor da sua pele porque ela era capaz de milagres.
Todas elas sabiam do que a amiga estava
contando.
Todas sabiam exatamente que era assim
Uma história massageando outra.
Porque, as vezes, ela só precisa de um narrador
para acontecer de novo.
Ou de uma pelinha levantada que nos leve até la.
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