sexta-feira, 21 de março de 2014

Ah, o seu olhar...


Seus olhos são verdes.
Verdes e tão vivos...
E já viram muita coisa.
A fome na fazenda, a fartura do cerrado.
As letras que se desenhavam no papel preso na máquina de escrever.
Viram a guerrilha de perto. A tortura na pele.
O amigo desaparecido.
A família que se foi aos poucos.
Um casamento, dois filhos.
O brilho encobrindo a cena.
Sempre olharam pro futuro, os seus olhos.
Tão cheios de olhar, os seus olhos.
Tão cheios de vida.
Quando eu era bem pequena, me lembro de pedir pra gente trocar.
Pra eu ter um olho verde e outro marrom.
Pra você ter outro par assim também.
Pra gente ser igual, pra eu ter o seu jeito de olhar.
O seu desenrolar.
Os seus olhos verdes resolveram se separar.
E um deles foi morar em outro lugar.
Mas o que eles viram juntos, está la.
Os seus olhos verdes continuam no plural.
Mas hoje um está verde e outro marrom.
Assim como os meus.
É só olhar.

Goianna

Os copos ainda estão no mesmo lugar.
As janelas têm as mesmas cores e o piano ainda continua afinado, mesmo há tanto sem ver a luz do sol.
Os quadros na parede continuam contando a mesma história de onde pararam.
As fotos também.
A apresentação de Ballet. O aniversário de 40 anos da minha mãe.
Eu é que me conto diferente.
Ir para Goiânia é fazer uma viagem dentro de mim.
Beber nas minhas vontades adolescentes.
Desembrulhar o sabor da minha infância.
Faço tudo isso muito devagar, que é pra fazer o pouco tempo durar.
Me reabasteço de mim mesma pra voltar.
Lá, eu me sou de volta.
O cheiro que fica.
O carinho que preenche.
O que eu encontro para não me perder.
Goiânia é sempre o meu ponto de origem.
Porque muito antes de ser a Anna, já era Goianna.