segunda-feira, 30 de junho de 2014

entremeio

Se tudo fosse um sim ou não.
Se tudo não criasse uma ilusão.
O que seriam das nuances que ora habitam este vão?


Se o não fosse certeza
Ou o sim um simples decreto
A dúvida nunca teria chance
E o se se perderia por completo.



Se não existisse interrogação
Se a vida fosse sempre exclamação
O que seriam das reticências
Que vivem prolongando a sensação?


Eu gosto da contramão
Do sim e também do não.
Do que vem antes e do que nem chegou a vir.

O que seria de mim sem a imaginação?

quinta-feira, 26 de junho de 2014

#visãododivã





À esquerda eu vejo a porta. Por onde entro toda quinta-feira e por lá fico durante 1 hora.
Assim que entro, antes de qualquer outra coisa, sinto um cheiro forte de mofo. Sempre me pergunto por que a sala tem este cheiro. É fácil descobrir se você parar pra pensar que, todo dia, pelo menos umas 4,5 pessoas estão lá abrindo seus armários do passado, jogando fora o que guardou por tanto tempo.
Pensando assim, o cheiro de mofo tem lá seus motivos. E até o seu charme.
À minha direita, uma estante cheia de livros. Em meus momentos de silêncio olho um por um e fico imaginando o que eles contam além do que falamos ali. Os problemas se repetem também neles? Freud, Lakan, Nietzsche. Sinto falta de uma Clarice Lispector, de um Antônio Prata, de uma Martha Medeiros. Até de um Paulo Coelho para quebrar a seriedade do conteúdo. “Vou dar um desses de presente pra ela semana que vem”, penso. Mas sempre esqueço. Algum ato falho aqui?
À minha frente, uma persiana branca e sempre um vaso de delicadas orquídeas. Enquanto falo, falo, falo sobre mim, mim, mim, vejo as sombras que vão de um lado para o outro da vila. As minhas, as suas, a de você que foi embora mas que continua guardado nas minhas gavetas. Pode se retirar para diminuir meu cheiro de mofo, por favor?
Do meu lado esquerdo um relógio pequeno contando o tempo. Sempre que me lembro dele, o meu já acabou.
Um pouco mais adiante, na mesma esquerda, uma poltrona marrom onde coloco minha bolsa, não sem antes tirar o celular para deixar do meu lado durante toda a sessão. É bom ter ele sempre à mão. Vai que eu preciso pedir socorro?
Bem atrás de mim, a Vera. Aquela que sempre vê. Me perdoem o trocadilho, mas terapia pra mim é como brainstorm em que pode tudo, até trocadilho. Então vivo trocando, falando, mostrando fotos.
Sim, procuro ter sempre fotos de pessoas, lugares, acontecimentos para ilustrar o que eu digo. Um espécie de respeito pela Vera. Fico imaginando o quanto deve ser horrível ouvir anos e anos sobre alguém e não saber a cara que essa pessoa tem. Por isso as fotos. A minha terapia ilustrativa.
Do meu lado direito, vejo uma câmera imaginária. Essa que me transporta para fora do meu corpo e que me faz enxergar o tamanho real dos meus problemas. Do meus inimigos, quase sempre imaginários.
Eu vejo você.
A minha infância em Goiânia passada em um retroprojetor bem na minha frente.
Vejo ciclos se repetindo, outros indo embora.
Palavras que deixei de falar e outras que falei na medida.
Historias que não deixei de viver.
Silêncios forçados.
Vãos.
A minha reflexão.

O eu na minha multidão.

terça-feira, 24 de junho de 2014

gerundando

Perder o HD.
Me perder.
Buscar no histórico e não acontecer.
Uma palavra perdida, um conceito solto.
Tantas ideias procurando novos caminhos.
Eu me procurando.
Quando foi mesmo que o gerúndio ganhou essa fama de mau?
Amo o agora.
Acontecendo.
Pertencendo
Mudando.
Fazendo.
Refazendo.
Realizando.
A vida vivendo.
Eu me reencontrando.
Tudo respirando.
O HD aos poucos vai se recuperando.
E tudo vai voltando.
Com gerúndios soltos e leves.
Sem nenhuma obrigação.

A não ser a de existir.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Crescendo junto


Crescer é meio difícil, filho.
Mas crescer sem aprender algumas coisas quando se tem a sua idade é mais ainda. Pode acreditar.
Não é que a mamãe saiba tudo. Tem um monte de coisa, mas um monte mesmo, que eu tenho aprendido todos os dias. Com você e com seu irmão, principalmente.
Mas como eu te disse, algumas coisas, se a gente não aprende de pequeno, deixa a gente bem pequenininho, mesmo grande.
Pode apostar.
Empurrar o amiguinho não pode. Muito menos o professor.
Você vai saber isso de verdade quando ver um monte de gente do seu lado empurrando não só os amigos, mas a vida. E o peso disso, só se sente bem depois.
Pegar o que não é seu sem pedir não pode. Tem muita gente importante, tratada como vossa senhoria até, que faz isso. É que quando se cresce muitas vezes se perde este brilho no olhar. Esse que muitas vezes te entrega, mas que te deixa tão perto de não fazer de novo, sabe?
Por favor, com licença e obrigado são palavrinhas que nunca perdem a magia. Mesmo quando a vida parece ter escondido o mágico de você.
Colo de pai e mãe é coisa que nunca vai deixar de te caber. Não importa o tamanho que você seja, vai ter sempre um espaço dentro dele pra você.
Então, seja grande, meu filho. Não de tamanho que isso pouco importa. Mas de você mesmo. Lá na frente, você vai entender o que a mamãe está dizendo. Ou vai sentir, o que também tem muita importância.
Castigo é o não de fora morando dentro da gente. Mas é ele que vai te ensinar a encontrar os seus próprios nãos. E isso é mágico. Como aquelas palavrinhas lá de cima.
É bom que você saiba que super homem e super mulher existe nos filmes e nas histórias em quadrinhos. Mas aqui na vida, quanto mais real a gente for, mais poderes vamos ter. Aprendi isso com vocês, olha só.
Culpa é coisa que a gente pega e não passa com remédio. Nem com beijinho. Então, quanto menos você tiver contato com ela, melhor.
Já desculpa é uma palavra que parece mas não é. Não é boa de economizar, mas também não dá pra ficar usando toda hora. Você vai saber (eu espero muito) a melhor hora de usá-la.
Crescer é difícil. E ajudar os outros a crescerem é mais difícil ainda. Acredite.
Dizer bom dia é fundamental.
Amar é essencial.
Mas falar de boca cheia não pode.
A não ser que seja pra falar de vocês.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Um lado. O outro


Um lado.

Era o seu primeiro dia de férias.
Ela tinha sigo pega de surpresa com relação à isso. Férias pra ela sempre foi sinônimo de programação e viagens, mas nunca de descanso.
Engraçado como sempre costumava voltar com aquele cansaço típico de quem aproveita cada segundo olhando, absorvendo, fazendo.
Mas desta vez seria diferente. Um dia antes ela tinha pedido mais espontaneidade da vida. E a resposta veio em forma de férias desprogramadas.
Então, em seu primeiro dia, resolveu fazer o que sempre teve vontade, mas a culpa, o olhar do outro, a reprovação interna não deixava.
Foi com as crianças e a babá ao parque.
Isso ela já tinha feito milhões de vezes. Não era novidade nenhuma.
Mas deixá-los no parquinho e correr sozinha, ah, isso sim era bem novo pra ela. Mãe tinha que estar sempre por perto, empurrar carrinho, brincar no parquinho.
Mas no seu primeiro dia de férias inesperadas, resolveu deixar o desconhecido tomar as rédeas.
Colocou o fone, alongou-se de vontade e correu.
Sentiu o vento, as folhas caindo, olhou para o céu.
E viu o momento exato em que o sol deixou a timidez de lado e a convidou para mais uma volta.
Sem culpa, sem medo, sem hora marcada.

O outro.

Todas as manhãs ela o levava ao parquinho.
Na mochila, o suco que ela mesma fazia minutos antes de sair.
Nas costas, o peso do tipo de maternidade que escolheu seguir.
Estava atrasada 15 minutos aquele dia. Chegava sempre as 9h30, brincavam no mesmo lugar, encontrava as mesmas pessoas.
Enquanto preenchia o vazio das horas, se programava para daqui um tempo, dedicar um tempo a ela. Daqui uns 6 meses, quem sabe.
Aquele dia encontrou crianças diferentes no balanço. Procurou pela mãe e encontrou a babá.
Pensou que a mãe podia estar no escorregador com um outro filho ou sentada no banco.
Olhou e não encontrou.
Se indignou. E ficou pensando no que faz uma mãe, naquele horário, deixar os filhos no parquinho só com a babá.
Se perdeu em seus pensamentos e, sem querer, deixou o filho solto para explorar outros cantinhos do parquinho de sempre.
Vai ver eles não têm mãe, ou ela trabalha ou está viajando.
Vai ver é o tipo de mãe que não se culpa por nada ou que faz isso todos os dias, inclusive aos finais de semana. Vai saber.
O filho comeu areia, bebeu água do copo do amiguinho, engatinhou na lama. Se encheu de infância enquanto ela tentava justificar seu excesso na possível falta do outro.
Viu quando ela passou correndo e os filhos a chamaram.
Viu quando ela deixou os passos largos para os abraços apertados.
Nem imaginava que aquele era o primeiro dia das férias desprogramadas dela.
Mas ela sabia. Teve que correr muito para chegar até ali.


terça-feira, 3 de junho de 2014

Mar cela


Lá vem ela.
Com gingado doce e nome em forma de mar.
Chegou de mansinho, trazendo ondas no olhar.
E eu de longe fiquei olhando, sentindo o perfume ir e voltar.
Uma novidade quentinha.
Uma idade novinha.
Então ela chegou e se deixou ficar.
Tão leve, a menina.
Tão forte.
E em mim se fez presente.
Que eu desembrulho devagar só para fazer a curiosidade durar mais e a surpresa realçar as dobrinhas da testa, como quem chega por último em sua própria festa. Quem nunca se fez demorar?
Ela causa isso em mim.
Um vontade de rir por dentro.
De baixar a cabeça pro lado esperando o segredo chegar.
E me aconchegar.
Nas palavras soltas, nas incertezas felizes.
Nas tonturinhas que o viver causa na gente.
Ela nem bem chegou e já fez de mim cela.
Ah, o mar.
Como não amar?

só em caso de....


O mundo está corrido.
As pessoas estão ansiosas.
Tá todo mundo vivendo o futuro, antecipando problemas, fazendo matriz de risco da própria vida.
Acabo de receber um save the date pra uma festinha em novembro.
N-0-V-E-M-B-R-O.
Pode isso?
Pode. Porque logo em cima veio um pra dezembro.
Tá todo mundo querendo se garantir.
Bookar agendas.
Ter a atenção garantida.
Por favor, reserve um horário pra mim pra janeiro de 2015?
Sim, dia 18.
É que é meu aniversário e vai que, 1 semana antes, alguém resolva marcar algo para o mesmo dia?
Então é bom já deixar garantido.
Tudo bem que eu nem sei ainda o que eu vou fazer.
Pode ser que resolva ficar em casa mesmo.
Ou fazer uma festa arrasa-quarteirão.
Quem sabe eu comemore em Paris.
Ou em Goiânia, vai saber.
Mas você eu não posso perder na minha festa de jeito nenhum.
E nem você.
Porque, sabe, em uma época em que está todo mundo vivendo lá na frente, controlando tudo, se sociabilizando em redes, é bom garantir os amigos, as presenças, a festa.
É bom também evitar algumas coisas para não causar sofrimento.
Se apaixonar, por exemplo. É muito perigoso. Melhor tomar cuidado e ir com muita calma. Paixão é coisa que não costuma durar muito. Então melhor nem começar.
Ter um bichinho de estimação. A gente se apega, ele vira um filho e pronto. Já pensou se acontece alguma coisa com ele? Não, melhor não pensar. E nem ter um. Vá que ne?
Mudar de emprego também não é coisa aconselhada. Vai largar o certo pelo duvidoso? E se te mandam embora? Melhor ficar aí onde está. Pode até estar ruim, mas tá tão quentinho, pense bem. E no inverno, lugar quentinho é o que é há de melhor.
Tá tudo tão programadinho.
Save daqui, invite dali.
Cadê a espontaneidade?
O pique-nique no banco da praça?
O encontro que virou festa porque foi todo mundo aparecendo?
Sinto falta dos descompromissos.
Da agenda vazia.
Do brigadeiro desenrolado comido na panela.
Sinto falta de outro tipo de pressa.
Aquela que não tem data marcada.
Que não espera pra acontecer.