quarta-feira, 23 de maio de 2018

Em constante reforma

A parede de tijolinho deixou aparente as nossas vontades.
Já a de concreto abriu espaço para as nossas delicadezas.
Amo quando nossas contradições se complementam.
Fazendo brotar nossas cores e história.
A porta de correr derrubou paredes e reapresentou nossos olhares.
Nossos pés agora caminham por um chão bonito, cor sim, cor não.
E a gente flutua pelos nossos sonhos.
Berinjela com amarelo com vermelho e azul.
E crianças correndo pela sala misturando tudo, bagunçando tudo, criando nossa própria paleta.
Madeira de demolição para lembrar que o perfeito não existe.
Papel de parede para nos cobrir de aconchego.
E uma banheira para nos deixar de molho, enrugando nossas ansiedades.
5 meses depois, a casa tá linda.
E a gente continua em construção.

O trabalho que o trabalho dá.

Enquanto vocês estão ai, brincando, desvendando as horas além do que eu podia imaginar que tivesse um final de semana, eu estou aqui trabalhando.
“Mas hoje é sábado, mamãe. Não é dia de trabalhar”, um de vocês me diz, logo correndo pra brincadeira mais importante dos últimos tempos das últimas semanas: trocar cartas pokemon.
Eu fico com isso na cabeça, martelando junto com as letras do teclado que vão construindo os textos que logo vão ganhar uma moldura bonita.
Mas isso não deixa de ser uma brincadeira, filhos.
O problema é exatamente esse. E é bom que vocês nunca se esqueçam da sensação que o brincar nos trás.
É justamente quando o trabalho deixa de causar na gente isso que a gente chama de brincar, que é hora de guardar tudo e inventar outra coisa. Se não tem diversão, pra que então?
É como montar o seu Lego, sabe? Dá um trabalho danado, leva tempo, mas quando você vê tudo pronto, oialá. Dá vontade de sair mostrando pra todo mundo, não é?
Pra mamãe, trabalho é mais ou menos assim.
É claro que, ao contrário de vocês que reclamam quando é hora de guardar tudo, a mamãe não quer ficar brincando só disso o tempo todo.
É bom brincar também de conversar com as amigas, se divertir em outros lugares, andar de bicicleta no parque e sair pra jantar com o papai.
Assim como vocês, a mamãe também gosta de variar a brincadeira. Principalmente nos finais de semana.
Mas eu não podia deixar de dizer, mesmo correndo porque a pauta é longa, que trabalho não é só obrigação, A gente se diverte também. E muito.
E o mais legal de tudo: aqui a gente cria nossas próprias brincadeiras.
Não é legal?
Mais ou menos como quando vocês constroem o robô ou o avião que voa pelos lugares que vocês inventam.
Trabalhar é brincadeira de adulto.
É bom que vocês saibam também.
E a mamãe espera, de verdade, que depois de grande, seus dias da semana sejam tão divertidos como um final de semana.

Prosa

Quer conversar?
Não, ele não queria.
Porque conversa é pensamento livre. E liberdade não se tem com qualquer um. Então o que deveria voar ficou pra dentro, batendo asas e fazendo a barriga gelar.
Ela então cozinhou suas palavras no vapor da dúvida e congelou tudo em pequenos potes. Emergências sempre acontecem...
Não soube muito bem o que fazer com as que sobraram. Elas não formavam frases, não contavam história. Existiam.
E palavra existida vira enfeite encostado na parede.
Ela gostava de ouvir.
Talvez porque fosse mulher e mulher tem esse sentido aguçado.
Mas não era só isso.
Ela escutava com as mãos, com os olhos, com a boca.
Escutava pra fora do corpo, procurando sentidos.
As palavras entravam como roupa vestindo seus becos.
Ela era feita disso.
Pequenos pedaços do outro. Palavras tecidas em frases corporais.
Então ele disse que não queria conversar e ela se sentiu um pouco perdida.
Desconversada, ficou nua. E se viu no espelho.
Resolveu passar suas palavras pelo corpo feito hidratante.
E se ouviu.
E se vestiu dela mesma.

#mulherdefrases

 Auto-estima. Aquilo que é nosso mas que a gente deixa na mão do outro.

Sobre ser grande

Criança enxerga tudo grande.
Sempre achei que meu avô era enorme. Hoje, ele bate no meu queixo. Vi que não era tão grande assim.
A minha casa tinha um salão de festas gigante, que cabiam todas as alegrias da minha festa de 10 anos.
Hoje, cabem algumas cadeiras encostadas, teias de aranha e muitas memórias.
O piano era grande demais para as minhas mãos de 6 anos. Hj, já o alcanço com apenas algumas escalas.
Tudo na vida é referência.
Ou olhar.
Quisera eu enxergar com os meus olhos de 32 anos atrás.
Quando foi que perdemos a fita métrica dos sonhos?
Quando foi que deixamos de olhar pra cima?
Procurei nas gavetas da infância.
Não foram eles que diminuíram.
Fui eu que cresci.

Todo 31

O que faz um dia 31 ser diferente do outro?
O que faz a gente colocar tanta energia boa no último dia de dezembro e maldizer o 31 de agosto? 
De onde vem essa intensidade que nos habita ao final de cada ano e que de repente perde o teto nos outros meses? 
E se fosse diferente?
E se a gente comemorasse cada ultimo dia como se fosse réveillon?
E se ao riscar o mês a gente desenhasse no céu dos pensamentos desejos para o dia seguinte?
Um passo de cada vez.
Um desejo ao final de cada mês, talvez.
De certo a gente tiraria a expectativa das segundas-feiras.
Ou a mochila pesada que todo próximo ano carrega.
E todo mês seria réveillon dentro da gente.
Faríamos promessas mais fáceis de cumprir?
Teríamos motivos para ir mais à praia?
Sempre seria época de romã?
Teríamos mais roupas brancas no armário?
Decidi, então, fazer diferente esse ano.
A partir de agora, fica decretado que todo mês vai ter festa dentro de mim.
Com retrospectiva, coração acelerado, champagne estourado.
Com mais fogo e mais fogos.
Amigos por perto, lista de desejos e promessas cumpridas.
Começo comemorando todo dia 31.
Depois, quem sabe, toda meia noite.
Porque todo dia pode ser ano novo. (aliás deveria)
Mas comecemos pelo último dia do mês.
É o que desejo também pra você.
Que todo mês seja início ai dentro.
Com novos olhares, com novos jeitos de sentir.
Que você possa comemorar todo dia 31.
E recomeçar cheio de intensidade e intenção no dia 01.
É o que eu desejo pra mim, mas também pra você.

Rei foca

Você vai lá, preenche uma ficha longa e chata. Depois paga uma guia e tenta agendar um horário. Daí o pagamento ainda não é confirmado. Você checa no banco e tá lá, feito. Então você tenta pagar de novo pra ver se realmente tava pago. Daí dá duplicidade de pagamento. Você liga pra gerente pra tentar estornar. Mas só o bankline faz isso. Então você fica 30 minutos no telefone e dá tudo certo.
Dois dias depois tenta agendar de novo o horário e consegue. Só que lá na peida. Ok, vamos para a peida. Afinal, o passaporte dos meninos precisa ser renovado.
Uma semana depois você acorda os filhos as 7 da manhã (no meio das férias) e vai. Pai, mãe e filhos no carro. Chega lá em 50 minutos. E sai feliz porque conseguiu fazer todo o processo em 4 minutos e meio. Finalmente algo com horário nesse Brasil funciona. Menos o trânsito. Esse nunca te faz chegar no horário. Você leva 1h45 pra voltar, mas tudo bem. Daqui 1 semana tem tudo de novo pra buscar o passaporte. Oba, dá até pra viajar no carnaval, você pensa. Olha só como valeu a pena.
Essa uma semana passa e cai bem no feriado. Coisa boa, você pensa de novo. Dá pra ir até lá em menos tempo. 30 minutos.
Você apresenta o papel, pega os passaportes, os meninos assinam. Você fica de olho no menor, porque, né, ele precisa de ajuda pra assinar.
Então a atendente olha e diz: o que é isso, senhora?
Você então olha pra criança, olha pro passaporte. Olha pra criança, olha pra assinatura. Assinatura? Sim, é só aí que você descobre que o seu filho virou Rei Foca. E pra não matar aquele ser em plena polícia federal, faz a única coisa que te resta: aplaude no melhor estilo foca.

A falta de excesso.

Ele sentou na mesa da frente.
Tinha uma aliança no dedo esquerdo que fazia par com seu relógio rolex.
Sorriu para o garçon, acenou para o gerente. Pediu as duas Heinekens de sempre, que chegaram juntas com um só copo.
Serviu a parte que cabia de uma. Depois, a mesma quantidade da outra. Colocou as duas uma ao lado da outra e deixou o copo à sua frente. Abaixou a cabeça e falou sozinho por mais ou menos 1 minuto. Terminou o diálogo fazendo o sinal da cruz. Respirou fundo e, com o olhar, fez novamente as pazes com o infinito.
Franziu a testa, cerrou os olhos. Agora, respirava mais rápido, como se fizesse abdominal com os ombros.
O copo permanecia ali, imóvel. As garrafas, como as torres gêmeas, à espera do ataque.
Seu pensamento era a sua companhia. Até que o bolinho de bacalhau interrompeu o diálogo silencioso.
Conversou novamente com o garçon, agradeceu, experimentou um e depois outro. Fez um sinal de que estava muito bom.
Respirou fundo novamente. E deu um gole que parecia engolir tudo. A não conversa, a falta de companhia, a solidão estancada em duas garrafas.
O olhar voltou a ficar vazio.
Pegou mais um bolinho e devorou como quem carregava a fome do mundo.
Serviu mais um pouco de uma garrafa. O outro pouco da outra, até que elas ficassem no mesmo nível da sua imparcialidade.
Fechou os olhos por um longo período e, quando abriu, a sensação era a de que seu corpo dormia.
E assim ficou, fitando o nada para ver se pelo o menos o líquido do copo esquentava a vida.
Do outro lado, ela observava tudo, bebendo compulsivamente.
Seria ele um viuvo, brindando a falta?
E ela, estava ali tentando se livrar de qual excesso?
Pensou então que, de um jeito ou de outro, vivam seus transtornos.
Ele tentando manter o controle em dia. Ela, fugindo das suas mesmices.
Pediu a conta.
Ele deu mais um gole.
E, de novo, se serviu ate que os níveis da garrafa continuassem iguais.
Ela deixou o copo cheio.
Afinal, não queria se livrar dos seus excessos tão fácil assim.

Pouco/Muito

Pelo menos ele me deu um desconto pra trocar a tela quebrada e colocar a película de vidro.
Não conseguiu arrumar a data e a hora que insistiram em parar no tempo. Mas pelo menos ele ficou "parecendo novo, senhora".
Eu perdi quase todos os dados e históricos. Mas pelo menos o iCloud salvou os contatos e eu posso escrever novas notas mentais. Isso até que pode ser bom.
Ele me aconselhou a vender o aparelho logo. "A senhora não vai conseguir arrumar isso, mas pelo menos dá pra conseguir um valor bacana no mercado livre e quem comprar nem vai notar que ele tá desse jeito."
Perdi todas as conversas do whatsap e algumas fotos que eu amava. Mas pelo menos ganhei mais alguma memória.
Então hoje ele caiu de novo no chão e lá se foi mais uma tela. A mesma que eu tinha arrumado ontem e que tinha deixado ele novo de novo. E a película que ele tinha dito que era de vidro? Não era.
Pelo menos ele foi coerente. Quem aconselha enganar alguém é o primeiro que te engana.
Não precisei nem de 24 horas pra descobrir isso.

Reaprendendo a brincar

Estamos aqui no club med.
Um final de semana comum, sem nenhum feriado no meio.
Contei. São 22 GOs (o nome que eles dão para os instrutores aqui).
Visto que a quantidade de crianças presentes não é lá muito grande, deve ter uma base de um 1 GO para cada 3 pequenas gentes.
22 pessoas que estão aqui justamente pra entreter e contribuir para 2 dias de paz para os pais.
Tem bicicleta, arvorismo, piscina, dança, futebol, vôlei, ping pong, tênis,circo, caiaque, vela, teatro.
E, mesmo com tudo isso, tem 2 crianças entediadas. Pedindo companhia pra brincar, nadar, jogar bola.
Me lembro de passar o dia todo na rua brincando. Me lembro de inventar brincadeiras sozinha. De dar aula, ser jurada de um desfile imaginário, ler um livro, ser vendedora de loja dobrando todas as roupas do armário.
Era auto suficiente na diversão.
Mas hoje, olhando pros meus filhos aqui e la fora, olhando pras outras crianças aqui e fora daqui, me pergunto que geração é essa. Que precisa do outro para se distrair mas anda tão sozinha, distraída pelas telas.
Que geração é essa que demanda, demanda, mas que entrega tão pouco. E que, normalmente, não se entrega.
A sensação é de que todos, com filhos, nos tornamos, em algum momento, os GOs da vida. Buscando programas, jogos, jeitos de entreter nossas crianças.
Nossos finais de semana já nascem programados. Ando em busca da agenda vazia e, por mais que tenha praticado isso em casa constantemente,parece ser pouco.
Porque não basta ter um GO pra brincar. O GO precisa brincar do que eles querem.
E na hora que querem.
Talvez por isso nossos amigos aqui do Club Med não estejam fazendo mais tanto sucesso.
Nos, GOs da vida real, não devemos mais fazer a brincadeira. Mas ensinar a brincar novamente.
Só assim resgataremos os auto-GOs da vida.
Aqueles suficientemente responsáveis por ir em busca da sua própria felicidade.

Infância

Filho, 
Hoje tivemos mais uma daquelas nossas brigas.
Aquelas em que você me desafia ( mas no fundo está me pedindo limite) e eu, sem conseguir controlar a raiva de não saber o que fazer com isso, viro novamente criança e me atiro no chão para medir forças com você.
Aquelas em que você grita e diz que não vai fazer e que eu,diante disso, não consigo ter outra reação senão voltar aos meus 5 anos querendo brigar com alguém muito maior que eu. 
Porque é isso que acontece quando você me desafia e eu não sei o que fazer com isso, filho. Viro uma criança mais nova tentando dominar o playground.
Então eu respiro, respiro, tento domar essa criança brava que aparece nessas horas e, assim, a gente conversa.
Eu te explico que a raiva as vezes também me domina e que, como você, ainda tento aprender a lidar com ela. Mesmo com os meus 40 anos.
Imagino que isso deva ser um pouco confuso pra você, filho. Mas é o que tento te ensinar toda vez que essa minha criança aparece. Que, não importa a idade que a gente tenha, estamos sempre tentando controlar os nossos impulsos. E não é porque a gente cresce que eles desaparecem. Eu me mostro como prova viva disso pra você.
E sempre me pergunto se estou fazendo o certo em me expor assim tão vulnerável. Mas sigo acreditando que a verdade é sempre o melhor farol. E que é importante você saber que as vezes eu não consigo.
Hoje fiz questão de te falar mais uma vez. E de te pedir desculpas por deixar essa criança tão brava tomar o meu lugar de mãe.
Você ouviu atentamente e, com essa sensibilidade enorme, me abraçou dizendo que estava tudo bem.
Eu acreditei. Mas achei que precisávamos de um playground de verdade para curar as nossas dores.
Foi ai que você me mostrou de novo a sua grandeza, meu filho. Me trazendo um ursinho de presente que você mesmo pegou. O nosso. Da sua criança amável para a minha. Porque elas serão sempre melhores amigas. Não importa a idade que tenham.

O mito de procusto e a mãe procrastinada

ra agosto de 2007.
Ela tinha 29 anos e uma vaga ideia do que era ser mãe.
Mas aquele positivo do exame deu largada para o que seriam os próximos 9 meses de estudos e aprendizados.
Virou a mãe que achava que deveria depois que abriu a primeira página do livro. Devorava cada uma como se fosse a última barra de chocolate da sua lista de desejos. Colecionava regras, decorava o que acontecia mês a mês.
Enquanto o bebê crescia, ainda sem sexo, ia emoldurando suas expectativas.
O bebê já tinha o tamanho da sua vontade de ser mãe.
Encantadora de bebês, A culpa é da mãe, Nana Neném, O que esperar enquanto ainda estava esperando. A lista crescia, mas o bebê, já menino, ainda não tinha nome.
Pelos livros, seus enjoos deveriam durar até o terceiro mês. Mas eles já inauguravam o quinto. Pelos livros, ela teria sono. Mas foi acometida por uma eletricidade inesperada, uma energia que até então estava adormecida. Já no primeiro mês sabia que teria parto normal.
Fez yoga, exercícios de respiração, hidroginástica, assim como diziam os livros. Seguiu à risca os itens do enxoval. Ainda não conhecia a criança, mas já sabia o que ela usaria na maternidade: amarelo para o primeiro dia, vermelho para a saída.
Paria um filho por livro. Sentia as dores de se aventurar no desconhecido.
No sexto mês já sabia como amamentar, como colocar para dormir, como seriam os banhos. Estava tudo ali escrito, era só praticar.
Fez cursos, conversou com amigas. No sétimo mês, já tinha escolhido a pediatra. As malas estavam prontas, tudo de acordo com o que tinha lido. O bebê nem tinha nascido e ela já tinha a panelinha de ágata comprada para a primeira papinha, dali a 10 meses. E também as mamadeiras, os esterilizadores e as fraldas que durariam até o 7º mês da criança.
Então vieram as contrações, vieram os médicos, veio a água da bolsa que estourou. Ele chegou ao mundo de cesárea, no meio da madrugada, na 38º semana.
Nada de parto normal, nada de 40 semanas, nada do que estava programado.
Ela se emocionou, mas ainda não sentia aquele amor que todos diziam sentir assim que a criança chegava ao mundo. Sentia dor ao amamentar, sentia medo. Não dormiu na primeira noite e nem nas 730 seguintes.
Não saiu da maternidade esbanjando alegria.
Pelo contrário. Já no segundo dia, sentiu uma tristeza profunda. Logo foi diagnosticada com baby blues. E sua vida, desde então, nunca mais foi cor de rosa.
As mamadas não eram como diziam os livros.
As 3 em 3 horas viraram de 20 em 20 minutos.
A fralda de recém nascido nunca foi usada. E a roupinha amarela do 1º dia foi inaugurada no 15º. 
Ele passou a trocar o dia pela noite e ela virou especialista em trocar fraldas. Vivia em busca do amor estampado nas páginas de revista, mas ao vivo ele não acontecia.
Não dormia.
Mas também não deixava o bebê dormir na sua cama. Tinha lido que ele precisava aprender a dormir sozinho, no seu berço oceano.
Enrolava o bebê feito charutinho (estava escrito que isso o fazia se sentir seguro) e deixava ele chorar por um tempo no berço ( ouviu dizer que isso era importante para ele desenvolver a sua autonomia). Tudo só no primeiro mês.
Enquanto isso, ela se afundava em sua insegurança. Esse era um assunto que não tinha encontrado em nenhum lugar.Afinal, todo mundo dizia que quando nascia um bebê, também nascia uma mãe. Mas ela ainda devia estar sendo gerada.
De encantadora de bebês logo passou ao desencanto. O que esperar, virou o próprio desespero.
Nada tinha saído como o programado. Achava que todo bebê vinha enrolado com um manual de instruções. Ela havia perdido o dela, só poderia ser.
Então, quando achou que nada mais poderia sair do script, eis que, aos 2 meses, um sangue nas fezes denunciou uma intolerância da criança à proteína do leite. E a amamentação, que ela imaginava que seria prolongada, se estancou. Junto com as suas inteiras verdades.
Parou de comer tudo que vinha do leite mas o seu leite não vinha.
Fez simpatias, tomou chá da mamãe, comeu canjica. Ouviu a amiga, a avó, a mãe, a pediatra.
Só não se ouvia.
Até que um dia, no meio de uma dessas madrugadas geladas, resolveu brincar de ser ela mesma e experimentou ser uma mãe diferente da que lia nos livros. Se o seu bebê não era como um deles, ela também não deveria ser. Então, pela primeira vez, ouvindo aquele choro cheio de significado, se ouviu. E também chorou.
Suas lágrimas misturadas às lagrimas dele. Os dois juntos, limpando todos os medos, os traumas, as regras.
Ela então puxou a caminha e se deitou, agarrada àquela criança que agora tinha rosto, forma, amor.
Dormiram abraçados, agarrados, envoltos em um só útero.
Demorou bem mais que 9 meses para ela nascer mãe.