quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Aprendendo a ler você.

Enquanto você lia pausadamente seus cards pokemon, eu viajei pela nossa breve história, filho.
Como foi que tudo passou tão rápido e eu não percebi? 
Até ontem tentava ler seus gestos em busca de respostas ansiosas pras nossas pendências e hoje é você que lê o mundo como ninguém.
Não dá mais pra pular a parte chata do livro e nem escrever mensagens na sua frente porque o seu olhinho curioso acompanha tudo, sem nem piscar.
Suas letrinhas já colaram umas nas outras e estão voando por aí. E você só tem 6 anos. Como pode?
Você lê histórias para o seu irmão e me conta tanto da vida. Você lê embalagens, placas, jornais, receitas e avisos de não fumar. Você já nos avisa quando estamos indo na direção contrária e soletra palavras quando acha que são feias de falar.
E cada nova frase sua é um sorriso que se abre. É tão bom ver você feliz com suas conquistas, sabe?Ontem mesmo você leu aquele nosso livro do rock e nos fez dançar com o seu ritmo. Agora é você que nos embala pra dormir. E faz seu irmão decorar tudinho pra parecer que também sabe ler.
Até ontem eu não sabia ler você, filho.
Hoje, é você quem nos lê.
Fluentemente.
Que a sua vida seja sempre um livro gostoso de ler, imaginar e ter.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

bandeira 2

Era quase meia noite de uma sexta-feira.
A menina, cansada, procurava por um taxi.
Como mágica, um estaciona em sua frente, ainda com passageiros.
Ela chega na janela e pergunta: " Ei, moço, ta livre? Posso te pegar depois?"
Lá de dentro, ouve: " não quer pegar a gente também?"

fim

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

vem, filho.

Já tivemos nossas diferenças.
E outras virão.
Você só tem 6 anos e eu ainda arrasto os meus 8 para os 36.
Demoramos muito para nos entender.
Não foi assim um encontro logo de cara, sabe?
Sempre tinha ouvido dizer que o amor nascia instantaneamente. Mas lá no fundo nunca acreditei muito nisso.
Não sou de amores cup noodles. E você não é lá de se entregar assim tão fácil.
Depois teve o baby blues que me fez ter que olhar para um lado que eu não conhecia. Justo eu que nunca acreditei na vida cor de rosa.
Depois veio a alergia que nos apresentou a praticidade à força.
E vem cá, não somos tão práticos assim, não é?
Demoramos pra nos perceber.
Você começou a andar quando tivemos aquela cirurgia com o meu pé. Assisti você indo longe, de longe.
Depois vieram as birras e a minha vontade de me jogar com você no chão.
Você era muito pequeno, nem deve se lembrar.
Demorei para perceber que éramos tão parecidos na intensidade, além dos traços.
Mas já tem um tempo que tudo vem mudando.
Não é?
A gente vem se sentindo mais confortável com os nossos silêncios. Meu colo já se modelou a você e tem sido tão bom...
Mamãe já é a palavra que mais saí de dentro de você.
Talvez porque eu tenha encontrado o meu lugar ai dentro.
E ontem, quando o seu olhar procurava o meu em cada novo movimento do judô, me joguei no tatame e entreguei a luta.
Foi quando o seu olhar se abraçou ao meu que finalmente nos reconheci.
Porque tem pessoas que a gente não conhece, filho.
Reconhece. E você é claramente a maior delas.
Vem, já podemos ir de mãos dadas?

estrangeiros

Somos todos estrangeiros.
De um novo amor, de um novo emprego, de um novo desafio.
É esse olhar do desconhecido, esse friozinho da descoberta que nos desperta do cochilo da rotina.
Se não vivemos como estrangeiros deveríamos, pelo menos, praticar a estrangeirice todos os dias. Pequenas doses já faria grande diferença.
Reparar nos detalhes do outro, no barulho que não conhecia, no muro que de tanto estar, desbotou.
Não, não é um convite a uma viagem sem prazo pra acabar. Se bem que não seria uma má ideia, hein?
Mas àquela viagem em que descobrimos lugares desconhecidos dentro da gente. Fora da gente ou com quem está com a gente há tanto tempo que esquecemos de revisitar com um elogio que seja.
Um convite àquela viagem em que voltamos mais estrangeiros do que fomos.
Não importa se para o trabalho de 1 dia, para o casamento de 20 anos ou para a casa que você mora desde que nasceu.
É quando deixamos de ser estrangeiros que a viagem acaba.
E terminamos todos presos na alfândega do dia-a-dia.