sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

E daí?

“Mamãe, posso comer salada?”
“No café da manhã?”
“Sim, por que não?”
Por que não? Por que não pode salada de manhã, sobremesa antes do almoço, tomar banho de cueca?
Por que não pode dormir sem banho, nadar pelado, dormir de roupa ou almoçar pizza?
Não sei você, mas eu sou do tipo que obedece regras. Não de um jeito normal, quebrando uma ali ou outra aqui. Não.
Eu sou do tipo duro, inflexível, que leva ao pé da letra. E se tem regra, tem eu ali, de seguidora numero 1.
Então toda vez que um filho me pergunta por que não? Eu escuto. E penso e procuro a lógica. E quase sempre ela é bem frágil, pode reparar.
Então eu respiro, olho pro lado pra ver se o chefe ( aquele q não sai da gente) não está de olho e digo: é, por que não?
E olha, tem sido lindo.
Uma liberdade tão grande, mas tão grande que até eu tenho experimentado.
Um texto sem ler? Oh, não é o fim.
Um banho de banheira no meio da tarde? Por que não? ( #elenão)
Banho de calcinha.
Brigadeiro de almoço.
Meus filhos me colocam do outro lado da interrogação. E eu adoro conseguir enxergar o sim, achatado embaixo de tanto não.
Hoje teve salada de café da manhã.
E teve também um orgulho danado de mim.
#maeternidade

Dor de cotovelo

Você chegou em casa com o braço inchado, já meio roxo, reclamando de muita dor.
Disse que tentou chorar mas que a dor era tanta que não conseguiu.
Fomos pro hospital e, no caminho, as curvas acentuavam os seus gemidos.
Fizeram raio x, fizeram brincadeiras e você respondia meio sem graça, só pra ser simpático.
Então veio o doutor e disse que seu cotovelo tinha mesmo quebrado e que seria necessária uma cirurgia.
Nessa hora eu tremi, o choro se equilibrou na pontinha dos meus olhos mas eu lembrei da sua força e me fiz forte também.
Enquanto você perguntava se a gente já ia embora, eu só tremia, filho.
Então foram 13 horas de jejum, braço e respiração engessados. Você só queria saber se não ia sentir mais dor enquanto eu me lembrava de que passei por algo parecido quando tinha quase a sua idade.
Me lembrei do gesso, da dor insuportável ao virar cada esquina e da anestesia pra fazer tudo voltar ao lugar.
Acontece, filho, que o osso até volta, mas a gente nunca. Quebrar algo é calcificar pra sempre essas memórias na gente.
Já no fim do dia você entrou na sala de cirurgia com medo, mas com um sorriso no rosto. Queria que a gente fosse junto, mas entendeu que estaríamos ali quando você voltasse.
Os medicos disseram que você só parou de conversar e contar suas histórias quando a anestesia fez efeito.
Lá fora, a anestesia não pegava de jeito nenhum.
Duas horas depois você voltou.
Sem reclamar, sem chorar, com ainda mais histórias pra contar. Disse que tinha um montão de médicos em sua volta e que todos os seus amigos estavam preocupados com você. “Eu tô muito requisitado, mamãe”.
É que você transforma tudo em amor, meu filho.
Já estamos em casa.
E, cada vez que olho pra você assim, de gesso, revivo um pouco a minha experiência aos 6 anos.
Me lembro do peso, da coceira, da vontade de me movimentar pela vida.
Ter filhos é atualizar a nossa própria infância.
E não tem tipoia que segure todas essas emoções.

Ser mãe é...

Descobrir-me mãe não foi fácil.
Ainda não é, mas confesso que estou cada dia mais relaxando um pequeno novo músculo na tentativa de receber este rótulo, este título, de ocupar esta cadeira que muda tanto de lugar. Não sei se um dia ela terá um estofado fofo que me acolha. Por hora, é madeira dura me lembrando a todo momento de que, se levantar a coluna, dói menos.
Devorei livros e fiz planos. Mas foi o puerpério que me apresentou ao baby blues.
Comprei a melhor poltrona de amamentação. Mas foi a intolerância à proteína do leite que fez a angústia, e não o peito, me rachar.
Montei um quartinho cheio de detalhes. Mas foram os 4 anos sem dormir que me fizeram decorar cada um deles.
A expectativa pode ser tudo, menos mãe dos nossos filhos.
E o tempo é, realmente, um potente cicatrizador.
Hoje, do alto dos meus 10 anos de experiência, contando para uma amiga sobre o início desta minha descoberta, me orgulhei.
De nunca ter sido essa mãe dos livros que eu li.
De nunca ter negado a realidade a quem perguntasse (e a quem não perguntasse também).
E de ter passado bem longe desse mundo cor de rosa que, graças ao baby blues, nunca consegui entrar.
Os perrengues foram e ainda serão muitos. (é preciso deixar claro que as alegrias também).
Mas é na verdade e na olheira de todo dia que os meus filhos encontram o meu amor.

Por que?

“Por que você pode e eu não?
Por que só a sua vontade é respeitada?
Por que você pode gritar comigo e, quando eu grito com você, respondendo ao seu grito, estou errado?”
A gente não para pra pensar nestas questões até que elas são levantadas pelo seu filho.
E é ai que o bicho pega. Porque tirando o fato dele ter so 10 anos e que você passou a vida ouvindo que crianças devem obedecer e respeitar os adultos, ele tem toda razão.
Criança antes de ser criança é indivíduo.
Um ser com desejos, pensamentos e lógica. Levei muito tempo pra entender isso. De verdade mesmo.
Porque virei mãe achando que podia controlar, comandar e ser obedecida. Mas maternidade não é isso e filho também não.
Educar é como montar um lego. Você pode seguir a receita da embalagem e chegar no castelo lindo. Ou você pode montar do seu jeito e chegar em outras figuras lindas também. Mas, invariavelmente, você vai pisar em uma peça no chão pelo caminho. E vai doer demais ( porra, ja pisou numa peça de lego?), e você vai gritar demais e vai ter que se acalmar muito para seguir montando.
Educar é via de mão dupla. Você ensina, mas aprende. Mas, pra isso, é preciso estar atento e querer ouvir.
Não é tudo que o seu filho tem que fazer como você quer que ele faça.
Claro que pra muitas coisas não tem negociação. Tem que estudar, tem que respeitar as pessoas.
Mas também tem que ser respeitado.
Não é porque você quer que o seu filho tome banho antes do jantar que ele tem que obedecer a sua ordem dos fatos.
Não é porque você quer que ele ligue ao invés de mandar uma mensagem que é o que ele deva fazer.
Esse é o seu jeito de resolver as coisas. E uma das coisas mais difíceis de educar é deixar que ele encontre o jeito dele de chegar no que você mostrou.
E dai, minha amiga, vem o tal do aprendizado que eu falei la em cima.
É preciso humildade para educar. Porque educar pressupõe que você saiba o que está ensinando. E neste caminho da maternidade, vamos combinar, que a única certeza é que não sabemos muito bem do que se trata. Algumas vezes, apenas repetimos padrões.
Então, a pergunta que vivo me fazendo neste caminho todo, é: o que é seu e o que você apenas repete na educação do seu filho?
E a resposta, quase sempre, está nele.
Pode parecer estranho, mas são os meus filhos que me ajudam a educa-los. Toda vez que paro e escuto o que eles estão me dizendo, consigo dialogar e ensinar.
Toda vez que também me pergunto “
É verdade, por que não?” sinto que chegamos la.
Porque não é sobre adultos educando crianças. É sobre ouvir o que o outro está dizendo. Principalmente quando este outro é o seu filho.
É muito mais sobre inventar combinações para o seu lego do que seguir as instruções da embalagem. Dá trabalho, mas confesso que também pode ser bem divertido.

Silêncio


No barulho do silêncio tem um passarinho que pia na barriga avisando que a digestão já começou.
Tem o bater de asas que as vezes vira trovão. Tem som que só dá pra sentir porque nasceu mudo, mas carrega o vibrar do mundo.
Tem passarinho que treme todo.
E tem o que fica ciscando,ciscando, chega provoca dor.
No barulho do silêncio tem pensamento batendo em pensamento pra tentar sair.
Tem passarinho que pia bem alto que é pra ver se consegue te acordar. Mal sabe ele que é papel do silêncio fazer este trabalho. É só deixar ele chegar.
Tem respiração que vai e vem. E tem aquela que mais vai do que vem.
O barulho do silêncio é aquele que fala da sua natureza em outra lingua. Sem palavra, nem significado.
Só sentido.
É quando o mundo lá fora para porque o daqui de dentro começou a tagarelar.
O barulho do silêncio é alto, mas sutil.
E, se você reparar, nele todo mundo espera sua hora de falar.
O barulho do silêncio é o presente.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Mãe também tem vontade.

A bolachinha do café.
O ultimo pedaço do bolo.
O sono da madrugada.
O filme na Tv.
Não é porque virei mãe que eu deixei de ter vontade.
Me vi falando essa frase ontem pro meu filho, depois dele ter tentado roubar a bolachinha do café que eu tinha pedido, justamente, porque queria aquela bolachinha.
Calma lá.
Ja dei inúmeras outras bolachinhas pra ele. Mas ontem não, poxa. Eu estava ali justamente por ela. E dessa vez fiz questão de satisfazer aquele meu desejo.
Filho nasce e acha que tudo é pra ele. 
As suas noites, os seus peitos, os seus finais de semanas, os seus últimos pedaços.
Claro, eles acham que são realmente a última bolacha do pacote e querem tudo.
Cabe a nós dar os limites, castrar (como diria Freud), lutar pelas nossas bolachinhas.
Não precisamos tirar o doce da boca da criança sempre. Mas não pode ser ela a achar que tirar o seu é o normal. É preciso entender que os pais também têm vontades. Que quando você serve de colchão e travesseiro dentro de um avião, se cansa.  Que você também tem o seu filme preferido. Que nem sempre está afim de brincar. E que, pasme, você também deixa as balas mais gostosas pro final. E que elas não estão ali pra ele.
Ó céus, que horror! Que tipo de mãe faz isso? Eu faço. 
Com culpa?
Muitas vezes sim.
Mas é importante que os filhos saibam que os pais são muitas coisas além de pais. Inclusive pessoas com seus próprios desejos. Que um dia incluiu também o de ter um filho.
É preciso entender o desejo do outro.
É preciso ir além de desejar o desejo dele por você.
E é mostrando a sua vontade que eles podem entender o limite da vontade deles.
Respeitar.
Ocupar o seu lugar.
Perguntar antes de achar que tudo lhes pertence.
Ontem foi por uma bolachinha.
Amanhã pode ser por algo muito, muito mais importante.
E viva o limite.





quinta-feira, 26 de julho de 2018

O mito de procusto e a mãe procrastinada.

Era agosto de 2007.
Ela tinha 29 anos e uma vaga ideia do que era ser mãe.
Mas aquele positivo do exame deu largada para o que seriam os próximos 9 meses de estudos e aprendizados.
Virou a mãe que achava que deveria depois que abriu a primeira página do livro. Devorava cada uma como se fosse a última barra de chocolate da sua lista de desejos. Colecionava regras, decorava o que acontecia mês a mês.
Enquanto o bebê crescia, ainda sem sexo, ia emoldurando suas expectativas.
O bebê já tinha o tamanho da sua vontade de ser mãe.
Encantadora de bebês, A culpa é da mãe, Nana Neném, O que esperar enquanto ainda estava esperando. A lista crescia, mas o bebê, já menino, ainda não tinha nome.
Pelos livros, seus enjoos deveriam durar até o terceiro mês. Mas eles já inauguravam o quinto. Pelos livros, ela teria sono. Mas foi acometida por uma eletricidade inesperada, uma energia que até então estava adormecida. Já no primeiro mês sabia que teria parto normal.
Fez yoga, exercícios de respiração, hidroginástica, assim como diziam os livros. Seguiu à risca os itens do enxoval. Ainda não conhecia a criança, mas já sabia o que ela usaria na maternidade: amarelo para o primeiro dia, vermelho para a saída.
Paria um filho por livro. Sentia as dores de se aventurar no desconhecido.
No sexto mês já sabia como amamentar, como colocar para dormir, como seriam os banhos. Estava tudo ali escrito, era só praticar.
Fez cursos, conversou com amigas. No sétimo mês, já tinha escolhido a pediatra. As malas estavam prontas, tudo de acordo com o que tinha lido. O bebê nem tinha nascido e ela já tinha a panelinha de ágata comprada para a primeira papinha, dali a 10 meses. E também as mamadeiras, os esterilizadores e as fraldas que durariam até o 7º mês da criança.
Então vieram as contrações, vieram os médicos, veio a água da bolsa que estourou. Theo chegou ao mundo de cesárea, no meio da madrugada, na 38º semana.
Nada de parto normal, nada de 40 semanas, nada do que estava programado.
Ela se emocionou, mas ainda não sentia aquele amor que todos diziam sentir assim que a criança chegava ao mundo. Sentia dor ao amamentar, sentia medo. Não dormiu na primeira noite e nem nas 730 seguintes.
Não saiu da maternidade esbanjando alegria.
Pelo contrário. Já no segundo dia, sentiu uma tristeza profunda.  Logo foi diagnosticada com baby blues. E sua vida, desde então, nunca mais foi cor de rosa.
As mamadas não eram como diziam os livros.
As 3 em 3 horas viraram de 20 em 20 minutos.
A fralda de recém nascido nunca foi usada. E a roupinha amarela do 1º dia foi inaugurada no 15º. 
Theo passou a trocar o dia pela noite e ela virou especialista em trocar fraldas. Vivia em busca do amor estampado nas páginas de revista, mas ao vivo ele não acontecia.
Não dormia.
Mas também não deixava o bebê dormir na sua cama. Tinha lido que ele precisava aprender a dormir sozinho, no seu berço oceano.
Enrolava o bebê feito charutinho (estava escrito que isso o fazia se sentir seguro) e deixava ele chorar por um tempo no berço ( ouviu dizer que isso era importante para ele desenvolver a sua autonomia). Tudo só no primeiro mês.
Enquanto isso, ela se afundava em sua insegurança. Esse era um assunto que não tinha encontrado em nenhum lugar.Afinal, todo mundo dizia que quando nascia um bebê, também nascia uma mãe. Mas ela ainda devia estar sendo gerada.
De encantadora de bebês logo passou ao desencanto. O que esperar, virou o próprio desespero.
Nada tinha saído como o programado. Achava que todo bebê vinha enrolado com um manual de instruções. Ela havia perdido o dela, só poderia ser.
Então, quando achou que nada mais poderia sair do script, eis que, aos 2 meses, um sangue nas fezes denunciou uma intolerância da criança à proteína do leite. E a amamentação, que ela imaginava que seria prolongada, se estancou. Junto com as suas inteiras verdades.
Parou de comer tudo que vinha do leite mas o seu leite não vinha.
Fez simpatias, tomou chá da mamãe, comeu canjica. Ouviu a amiga, a avó, a mãe, a pediatra.
Só não se ouvia.
Até que um dia, no meio de uma dessas madrugadas geladas, resolveu brincar de ser ela mesma e experimentou ser uma mãe diferente da que lia nos livros. Se o seu bebê não era como um deles, ela também não deveria ser. Então, pela primeira vez, ouvindo aquele choro cheio de significado, se ouviu. E também chorou.
Suas lágrimas misturadas às lagrimas do Theo. Os dois juntos, limpando todos os medos, os traumas, as regras.
Ela então puxou a caminha e se deitou, agarrada àquela criança que agora tinha rosto, forma, amor.
Dormiram abraçados, agarrados, envoltos em um só útero.
Demorou bem mais que 9 meses para ela nascer mãe.