quinta-feira, 25 de setembro de 2014

cicatrizes


É preciso cuidar muito bem de uma cicatriz.
É o que todo doutor diz. E quem não sabe?
Lavar sempre, usar bastante filtro solar e, se possível, micropore.
Tenho tomado todos estes cuidados. Tenho até feito massagens constantes, veja que carinho.
Acontece que eu não me cicatrizo bem.
Tem sempre uma pontinha ou uma parte que resolve saltar só pra me mostrar que eu realmente não tenho controle do tempo e nem de suas vontades.
Porque algumas cicatrizes não querem se desaperceber com o tempo.
Ou não conseguem ser discretas na vida. Querem gritar suas histórias à todo custo.
E o que eu faço?
Deixo. Porque lutar contra é só des-cicatrizar ainda mais.
Eu ando cheia de linhas escritas na pele.
Ando cheias de histórias mal contadas aqui dentro.
Quelóides emocionais.
Quem dera uma arnica para acalmar tudo isso...
Coleciono cicatrizes como quem abre sua biblioteca cheia de livros.
Cuido bem de cada uma delas.
Elas me contam em braile.

São um alfabeto à parte dentro de mim.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

desejo

Desejo
Uma segunda como se fosse sexta.
Um salto como se fosse festa.
Uma carta como se fosse romance.
O dia como se fosse noite.
As horas como se fossem ritmos.
Palavras como se fossem echarpe

O silêncio como declaração.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

instagramando

Sophie tem nome de geração Y, mas nasceu na década de 70.
Época das paixões alimentadas por cartas e muita poesia.
Gravava fitas cassetes para presentear quem fazia seu coração palpitar.
Ligava só para ouvir a voz, passava na porta da casa pra ver se as coincidências se encontravam.
Uma delas acabou em casamento, que um tempo depois se acabou também.
E Sophie, além do nome, passou a viver como uma Y.
Se apaixonou, porque se apaixonar, afinal, é atemporal.
E se jogou nas possibilidades do amor nos tempos do coletivo.
Não esperava chegar nas fotos dele no instagram. Já ia direto no seu perfil, mas demorava um tempo para curtir. As vezes nem curtia, só pra ver qual reação isso causava.
Colocava seu nome no whatsapp pelo menos umas 3 vezes por dia. Só para ver se ele estava ou não online.
Demorava uns 5 toques pra atender uma ligação. Só pra ele não achar que ela estava esperando com o telefone na mão.
Não seguia no face, mas adicionou seu perfil aos favoritos.
Não tinha tinder. Porque seu jeito antigo de amar não resistiria ao fast.
Mas continuava escrevendo suas cartas. Desta vez no note do seu celular.
Dançava valsa com seus sentimentos e chorava em palavras pra ver se a intensidade diminuía.
Mas era forte e geniosa, a danada.
Resolveu se assumir. E resumir tudo em seus 140 caracteres.
Compartilhava, se curtia, era visualizada e não correspondida.
Até que seu celular apitou uma mensagem no direct.
“Sophie, quer namorar comigo?”


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

sobre nossas febres

Passamos o final de semana nos 39 graus.
Enquanto o sol ardia lá fora, você queimava ainda mais, meu filho.
E toda nossa programação de um fim de semana de festas e piscina virou promessa para o próximo.
Você esperou tanto pelo domingo ensolarado que resolveu se aquecer antes.
E você com febre me deixa amoadinha...
De grau em grau vou me resfriando nos meus medos até chegar uma hora que não sei mais qual colo é o meu e qual é o seu.
A gente se mistura pra ver se a temperatura se acalma e deixa você correr para o seu futebol, para a sua bicicleta, para os seus pulos de criança de 3 anos.
Você é sempre tão maduro, filho, que chego a ter certeza de que a criança nessa história toda sou eu.
Não sei lidar com imprevistos. Fico te observando pra ver se, quem sabe assim, aprendo, mas não tem adiantado.
Acho tudo lindo em você, mas quando vou repetir em mim, não orna.
Como aquela sua bermuda xadrez que você insiste em vestir com a camiseta listrada e eu já deixo porque, afinal, você tem que criar o seu estilo desde cedo.
Eu juro que acredito quando você diz “tudo bem, mamãe, no próximo a gente vai.” No fundo, sou eu querendo me consolar enquanto você já está na próxima brincadeira.
E quando você volta dizendo “acho que a febre voltou, mas tudo bem, ne mamãe?” eu respondo que “tudo bem, vem aqui que a gente vai dar um chute nessa febre chata”.
Você acha engraçado, eu dou uma risadinha meio nervosa e a gente se encola. O seu arrepio é também o meu.
A febre vai embora.

Mas você sempre deixa o seu quentinho em mim.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

pílula

Entre, pode entrar.
Mas não se incomode com o que encontrar
É que eu ando meio bagunçada

Reinventando meu jeito de amar.