quinta-feira, 26 de junho de 2014

#visãododivã





À esquerda eu vejo a porta. Por onde entro toda quinta-feira e por lá fico durante 1 hora.
Assim que entro, antes de qualquer outra coisa, sinto um cheiro forte de mofo. Sempre me pergunto por que a sala tem este cheiro. É fácil descobrir se você parar pra pensar que, todo dia, pelo menos umas 4,5 pessoas estão lá abrindo seus armários do passado, jogando fora o que guardou por tanto tempo.
Pensando assim, o cheiro de mofo tem lá seus motivos. E até o seu charme.
À minha direita, uma estante cheia de livros. Em meus momentos de silêncio olho um por um e fico imaginando o que eles contam além do que falamos ali. Os problemas se repetem também neles? Freud, Lakan, Nietzsche. Sinto falta de uma Clarice Lispector, de um Antônio Prata, de uma Martha Medeiros. Até de um Paulo Coelho para quebrar a seriedade do conteúdo. “Vou dar um desses de presente pra ela semana que vem”, penso. Mas sempre esqueço. Algum ato falho aqui?
À minha frente, uma persiana branca e sempre um vaso de delicadas orquídeas. Enquanto falo, falo, falo sobre mim, mim, mim, vejo as sombras que vão de um lado para o outro da vila. As minhas, as suas, a de você que foi embora mas que continua guardado nas minhas gavetas. Pode se retirar para diminuir meu cheiro de mofo, por favor?
Do meu lado esquerdo um relógio pequeno contando o tempo. Sempre que me lembro dele, o meu já acabou.
Um pouco mais adiante, na mesma esquerda, uma poltrona marrom onde coloco minha bolsa, não sem antes tirar o celular para deixar do meu lado durante toda a sessão. É bom ter ele sempre à mão. Vai que eu preciso pedir socorro?
Bem atrás de mim, a Vera. Aquela que sempre vê. Me perdoem o trocadilho, mas terapia pra mim é como brainstorm em que pode tudo, até trocadilho. Então vivo trocando, falando, mostrando fotos.
Sim, procuro ter sempre fotos de pessoas, lugares, acontecimentos para ilustrar o que eu digo. Um espécie de respeito pela Vera. Fico imaginando o quanto deve ser horrível ouvir anos e anos sobre alguém e não saber a cara que essa pessoa tem. Por isso as fotos. A minha terapia ilustrativa.
Do meu lado direito, vejo uma câmera imaginária. Essa que me transporta para fora do meu corpo e que me faz enxergar o tamanho real dos meus problemas. Do meus inimigos, quase sempre imaginários.
Eu vejo você.
A minha infância em Goiânia passada em um retroprojetor bem na minha frente.
Vejo ciclos se repetindo, outros indo embora.
Palavras que deixei de falar e outras que falei na medida.
Historias que não deixei de viver.
Silêncios forçados.
Vãos.
A minha reflexão.

O eu na minha multidão.

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