quarta-feira, 23 de maio de 2018

O mito de procusto e a mãe procrastinada

ra agosto de 2007.
Ela tinha 29 anos e uma vaga ideia do que era ser mãe.
Mas aquele positivo do exame deu largada para o que seriam os próximos 9 meses de estudos e aprendizados.
Virou a mãe que achava que deveria depois que abriu a primeira página do livro. Devorava cada uma como se fosse a última barra de chocolate da sua lista de desejos. Colecionava regras, decorava o que acontecia mês a mês.
Enquanto o bebê crescia, ainda sem sexo, ia emoldurando suas expectativas.
O bebê já tinha o tamanho da sua vontade de ser mãe.
Encantadora de bebês, A culpa é da mãe, Nana Neném, O que esperar enquanto ainda estava esperando. A lista crescia, mas o bebê, já menino, ainda não tinha nome.
Pelos livros, seus enjoos deveriam durar até o terceiro mês. Mas eles já inauguravam o quinto. Pelos livros, ela teria sono. Mas foi acometida por uma eletricidade inesperada, uma energia que até então estava adormecida. Já no primeiro mês sabia que teria parto normal.
Fez yoga, exercícios de respiração, hidroginástica, assim como diziam os livros. Seguiu à risca os itens do enxoval. Ainda não conhecia a criança, mas já sabia o que ela usaria na maternidade: amarelo para o primeiro dia, vermelho para a saída.
Paria um filho por livro. Sentia as dores de se aventurar no desconhecido.
No sexto mês já sabia como amamentar, como colocar para dormir, como seriam os banhos. Estava tudo ali escrito, era só praticar.
Fez cursos, conversou com amigas. No sétimo mês, já tinha escolhido a pediatra. As malas estavam prontas, tudo de acordo com o que tinha lido. O bebê nem tinha nascido e ela já tinha a panelinha de ágata comprada para a primeira papinha, dali a 10 meses. E também as mamadeiras, os esterilizadores e as fraldas que durariam até o 7º mês da criança.
Então vieram as contrações, vieram os médicos, veio a água da bolsa que estourou. Ele chegou ao mundo de cesárea, no meio da madrugada, na 38º semana.
Nada de parto normal, nada de 40 semanas, nada do que estava programado.
Ela se emocionou, mas ainda não sentia aquele amor que todos diziam sentir assim que a criança chegava ao mundo. Sentia dor ao amamentar, sentia medo. Não dormiu na primeira noite e nem nas 730 seguintes.
Não saiu da maternidade esbanjando alegria.
Pelo contrário. Já no segundo dia, sentiu uma tristeza profunda. Logo foi diagnosticada com baby blues. E sua vida, desde então, nunca mais foi cor de rosa.
As mamadas não eram como diziam os livros.
As 3 em 3 horas viraram de 20 em 20 minutos.
A fralda de recém nascido nunca foi usada. E a roupinha amarela do 1º dia foi inaugurada no 15º. 
Ele passou a trocar o dia pela noite e ela virou especialista em trocar fraldas. Vivia em busca do amor estampado nas páginas de revista, mas ao vivo ele não acontecia.
Não dormia.
Mas também não deixava o bebê dormir na sua cama. Tinha lido que ele precisava aprender a dormir sozinho, no seu berço oceano.
Enrolava o bebê feito charutinho (estava escrito que isso o fazia se sentir seguro) e deixava ele chorar por um tempo no berço ( ouviu dizer que isso era importante para ele desenvolver a sua autonomia). Tudo só no primeiro mês.
Enquanto isso, ela se afundava em sua insegurança. Esse era um assunto que não tinha encontrado em nenhum lugar.Afinal, todo mundo dizia que quando nascia um bebê, também nascia uma mãe. Mas ela ainda devia estar sendo gerada.
De encantadora de bebês logo passou ao desencanto. O que esperar, virou o próprio desespero.
Nada tinha saído como o programado. Achava que todo bebê vinha enrolado com um manual de instruções. Ela havia perdido o dela, só poderia ser.
Então, quando achou que nada mais poderia sair do script, eis que, aos 2 meses, um sangue nas fezes denunciou uma intolerância da criança à proteína do leite. E a amamentação, que ela imaginava que seria prolongada, se estancou. Junto com as suas inteiras verdades.
Parou de comer tudo que vinha do leite mas o seu leite não vinha.
Fez simpatias, tomou chá da mamãe, comeu canjica. Ouviu a amiga, a avó, a mãe, a pediatra.
Só não se ouvia.
Até que um dia, no meio de uma dessas madrugadas geladas, resolveu brincar de ser ela mesma e experimentou ser uma mãe diferente da que lia nos livros. Se o seu bebê não era como um deles, ela também não deveria ser. Então, pela primeira vez, ouvindo aquele choro cheio de significado, se ouviu. E também chorou.
Suas lágrimas misturadas às lagrimas dele. Os dois juntos, limpando todos os medos, os traumas, as regras.
Ela então puxou a caminha e se deitou, agarrada àquela criança que agora tinha rosto, forma, amor.
Dormiram abraçados, agarrados, envoltos em um só útero.
Demorou bem mais que 9 meses para ela nascer mãe.

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