quarta-feira, 23 de maio de 2018

A falta de excesso.

Ele sentou na mesa da frente.
Tinha uma aliança no dedo esquerdo que fazia par com seu relógio rolex.
Sorriu para o garçon, acenou para o gerente. Pediu as duas Heinekens de sempre, que chegaram juntas com um só copo.
Serviu a parte que cabia de uma. Depois, a mesma quantidade da outra. Colocou as duas uma ao lado da outra e deixou o copo à sua frente. Abaixou a cabeça e falou sozinho por mais ou menos 1 minuto. Terminou o diálogo fazendo o sinal da cruz. Respirou fundo e, com o olhar, fez novamente as pazes com o infinito.
Franziu a testa, cerrou os olhos. Agora, respirava mais rápido, como se fizesse abdominal com os ombros.
O copo permanecia ali, imóvel. As garrafas, como as torres gêmeas, à espera do ataque.
Seu pensamento era a sua companhia. Até que o bolinho de bacalhau interrompeu o diálogo silencioso.
Conversou novamente com o garçon, agradeceu, experimentou um e depois outro. Fez um sinal de que estava muito bom.
Respirou fundo novamente. E deu um gole que parecia engolir tudo. A não conversa, a falta de companhia, a solidão estancada em duas garrafas.
O olhar voltou a ficar vazio.
Pegou mais um bolinho e devorou como quem carregava a fome do mundo.
Serviu mais um pouco de uma garrafa. O outro pouco da outra, até que elas ficassem no mesmo nível da sua imparcialidade.
Fechou os olhos por um longo período e, quando abriu, a sensação era a de que seu corpo dormia.
E assim ficou, fitando o nada para ver se pelo o menos o líquido do copo esquentava a vida.
Do outro lado, ela observava tudo, bebendo compulsivamente.
Seria ele um viuvo, brindando a falta?
E ela, estava ali tentando se livrar de qual excesso?
Pensou então que, de um jeito ou de outro, vivam seus transtornos.
Ele tentando manter o controle em dia. Ela, fugindo das suas mesmices.
Pediu a conta.
Ele deu mais um gole.
E, de novo, se serviu ate que os níveis da garrafa continuassem iguais.
Ela deixou o copo cheio.
Afinal, não queria se livrar dos seus excessos tão fácil assim.

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