terça-feira, 20 de junho de 2017

Uma questão de pele

O assunto começou quando ela puxou a pelinha do lado do dedo, aquelas que ficam levantadas avisando a gente que está passando da hora de fazer as unhas.
É impressionante como está sempre na hora de alguma coisa. De se cuidar, de encarar o regime, de dar um basta no emprego ou naquele caso que se prorroga há anos e não marca um gol. A gente tem que ser mulher, mãe, amiga, namorada, amante, esposa, dona de casa, estar com o cabelo e a unha impecáveis a ponto de não ter nenhuma pelinha levantando e gritando com a gente.
Então ela puxou com cuidado porque sabia que aquilo doía e era uma operação de risco. Mas não adiantou. Logo veio o sangue para lembrar que as mulheres sangram mesmo, muitas vezes bem mais do que uma única vez por mês.
E a pelinha que levou ao sangue que a fez lembrar do seu período fértil trouxe ele de volta. E ela estava ali dando uma volta em si mesma quando soltou, do nada, no meio do almoço em um bar qualquer, com o campeonato italiano correndo solto na tela: “ o segredo de tudo é a pele.”
De repente todo mundo parou, o copo ficou entre a boca e o susto, as meninas se olharam, os homens olharam pro lado e depois pra tela e ela ficou com o dedo ainda na boca, tentando disfarçar o que a memória já tinha causado nos pelos arrepiados do braço.
Eles voltaram para o jogo e ela não tinha como fugir do que disse. As vezes é assim que acontece. No meio do nada, uma palavra do nada, num lugar que nem serve de moldura pra cena. Mas você está ali por inteiro em suas memórias e elas ganham vida e se transformam em prosa.
E foi ali mesmo, naquela mesa ao som do futebol, que ela contou a sua história de pele. De como tinham se conhecido, de como tinham se encontrado no meio da sala ao som de um forró. Ela que não gostava de forró e ele que não sabia dançar.
Do toque imediato que resultou numa dança ritmada e sensual.
De como os rostos se encontraram, os olhos disseram sim e em menos de 5 minutos se agarravam na dispensa criando uma festa única e particular.
De como amanheceu e eles nem perceberam. De como passaram-se 3 meses e eles continuavam dançando.
De como viviam nú um para o outro, vestidos de pele e sensações.
Ela cercada de olhos curiosos, revivendo cada passo desde aquela noite.
Contando os detalhes porque eram neles que ela morava.
De como a partir daquele dia passou a cuidar melhor da sua pele porque ela era capaz de milagres.
Todas elas sabiam do que a amiga estava contando.
Todas sabiam exatamente que era assim
Uma história massageando outra.
Porque, as vezes, ela só precisa de um narrador para acontecer de novo.
Ou de uma pelinha levantada que nos leve até la.

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